Estrela leminski
e tudo que a poesia não é

Poesia É Não

Pela primeira vez, enveredo pela poesia. Meu contato com a poesia foi escolar e acadêmico. Por paladar, poesia para mim era Castro Alves e estamos conversados. Até que encontrei outros poetas ao longo da vida: Ferreira Gular, Carlos Drummond de Andrade, Paulo Leminski, Vicente de Carvalho, os irmãos Campos, Mário Quintana, Manoel Bandeira, e tantos outros que minha falha de memória certamente cometerá uma tremenda injustiça.

Ferdinand de Saussure, um franco-suíço de sagaz investigação da língua, da linguagem e do signo linguístico, deixou uma obra póstuma (organizada por seus alunos e seguidores da Universidade de Genébra) chamada Cours de Linguistique Générale (o Curso de Linguística Geral), meio cartilha ou livro de cabeceira de quase todo estudante de Letras. Se o signo linguístico é feito de significante e significado (introduzido por Saussere como imagem acústica e conceito, respectivamente), o significante passou pelo resto do século XX como sendo um objeto de apreciação e, assim sendo, de acordo com Immanuel Kant, matéria do conceito. Nascia, assim, o entendimento do significante que também incluía o suporte formal.

Na linguística, o suporte formal nada mais é do que um formato físico do significante, o ato de grafar. A caneta deslizando sobre uma folha em branco, executando um determinado percurso, deixa como resultado apenas uma quantidade de tinta sobre o papel. Nada mais. Por conta do desenho do percurso sobre a folha, o leitor insere, num primeiro momento, o que Saussure chamou de imagem acústica, o significante. O que chamaríamos de entendimento do que aquele desenho representa. Posteriormente é que o leitor trabalha com o conceito, o significado, que, no caso da poesia, também perpassa por questões de morfossintaxe e estilística.

PoesiaéNão levou-me a esse reencontro com Saussure. É uma obra que depende da tinta no papel, seu formato, seu percurso, sua disposição na folha do livro. A comunicação visual do suporte formal, ora amparando significante e significado, ora se opondo aos dois. É o apoio e o contrassenso. Ainda que não haja grande novidade nisso que estou dizendo, a diferença aqui se deve a marca que Estrela Ruiz Leminski deixa em sua poesia: de que o suporte formal pode ganhar novo sopro.

Jamais tinha imaginado que o suporte formal pudesse sofrer a condução de quem marca a folha de papel (hoje em dia, substituída pela tela em branco dos editores de texto, computadores). Estrela conseguiu desenvolver a inserção de si a partir do suporte formal. Pelo suporte formal de Poesia é Não, é possível encontrar os indícios de um modo de vida, de uma geração. Como técnico, o sopro estaria muito mais num campo sintagmático do que num simples suporte formal. Rodeio suíno: montei num porco.

E tudo isso a partir do suporte formal. É a técnica sem conhecer a técnica. É a técnica quase inconsciente que pega de surpresa quem a domina. É a hora de cair do cavalo. É muito mais o toque das imagens do que a explosão de um racionalismo instrumental. Empírico em seu conteúdo por validar o conhecimento da vida pela experiência dos sentimentos. Razão pura por transmitir isso dentro de uma forma que consegue universalizar o que, em muitas vezes, passa despercebida.

Se David Hume chamou de impressão algo inegociável primeiramente, mas que, perdendo a intensidade, torna-se idéia, Estrela Leminski não se resguardou na imagem para a sua impressão. Sua impressão surge a partir de seus sentidos, fossilizando o caminho dentro de si, naquilo que Sigmundo Freud, no seu primeiro estudo psicanalítico, sobre o aparelho psíquico, chamou de hábito.

Estrela Leminski conseguiu, a partir da possibilidade do suporte formal ganhar viço novo, expressar uma geração. Uma geração que flerta com a necessidade de umapsique mais apaziguada, mas que pode, com a psique não apaziguada, dizer a que veio. Deixar marcas, heranças de possibilidades. De se apoiar, nessa busca da essência, na permissão de não apaziguar a psique, operando como um fomento de criação. A chegada do novo. O novo sempre vem.

Marcelo Rayel

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